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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma Semana de Vergonha

Vejo e leio o que se passa na política nacional e vem-me à memória Eça de Queirós e a sua magistral ironia n'A Capital.Ontem ouvi Eduardo Catroga informar que as negociações do orçamento estoiraram por uma diferença de 200 milhões de euros. O PS não quis. Quis coisas mais complicadas, mas não quis o mais simples. Ou seja o PS não quer ter Orçamento e só acredito que o venha a ter por pressão nacional e internacional.No mesmo dia a PJ estoirava com uma rede de gente fina que terá burlado o BPN em quase 100 mil milhões de euros e saíam as acusações da Face Oculta.
É deprimente e não pode um país assim fustigado pelo cinismo da política, por predadores, por manipuladores, viver, já nem sei se sobreviver, a esta onda de amoralidade imposta. Os comparsas polítcos que Eça enfiou o seu livro de crónicas, fustigando-os com o ridículo, são meninos de coro ao pé dos monstrinhos que aí estão, alegremente, arrogantemente,a delapidar os recursos do país. Mais: a destruir a confiança nos nossos próprios destinos. Aquilo que se está a passar, perante o olhar e a gula devoradora dos especuladores mundias, envergonha e ridiculariza Portugal. E só atira para o primeiro palco os dois principais partidos porque os restantes não passam de meros espectadores parasitas da tragédia nacional.
Não fazem, não propõem, não se dispõem a contribuir para sair deste lodo putrefacto. São palavras. São vazios de ideias. São do contra. A posição dos acomodados e medrosos.
A derrapagem orçamental de 1.800 mil milhões de euros, ontem conhecida, durante três meses, abala a confiança de qualquer actor político. É verdade. Mas a solução jamais pode ser cruzar os braços, gritar protestos, e esperar as migalhas eleitorais resultantes desses protestos. Protestos sem consequência. Na minha televisão não fala nem o PC nem o Bloco de Esquerda.Estou cansado de os ouvir dizer que existem alternativas ao orçamento. Sempre o mesmo discurso: Existem outras alternativas e não as mostram. Porque não existem. São o jargão presumido inteligência. O CDS rumina. Diz coisas em voz baixa, mas rumina. Espera a boleia do PSD para ser governo. É o seu fado. O fado da chulice. Faz tu as despesas pois se houver eleições cá estou para te ajudar a formar governo. O maior castigo que poderia ser infligido ao CDS, por esta modorra, seria num próximo acto eleitoral o PSD ter maioria absoluta e borrifar-se nesta passividade que não passa de oratória crispada.
Estamos no fim. Mais do que no fim de um ciclo económico, estamos no fim de um ciclo de militante preguiça, vaidade, populismo, negociata, de mediocridade intelectual e espiritual há muito não vista. Ontem, Eduardo Catroga, armado da sua seriedade romântica, fez-me lembrar um bombeiro no meio das chamas.Quis apagar um fogo que nos dizima. Apenas cometeu um erro. Não percebeu que não estava numa discussão séria. Participou num espectáculo de circo e feras. Mais nada. Portugal afunda-se comprometendo o futuro dos nosso filhos, pois o nosso há muito está comprometido.E tiro o chapéu a Passo Coelho. Ganhou a firmeza que o faz desconfiar. E faz bem. Não é possível negociar num esgoto. Nem é possível querer ser alternativa a isto tudo, não tenho outra palavra que não seja 'isto' quando olho para os vários discursos, pois alguém precisa de ser timoneiro desta barca que caminha para o naufrágio. E só o poder ser pela diferença, pela intransigência no que respeita a abdicar de princípios. E já nem falo de princípios ideológicos. Falo de carácter, honradez, seriedade, de amor ao país.
Olho para Cavaco Silva. O homem que pela sua integridade, rigor e decência, me fez entrar na política. Nunca o país precisou tanto de um Presidente, embora os seus poderes limitados não nos permitam esperar muito. Mas olho para ele como o último cabo da Boa Esperança. Hoje já não existe mais ninguém. O poder demitiu-se. Portugal está sem rumo.Esta semana marca o fim da minha própria (ainda) ingenuidade política. Percebi definitivamente que são poucos aqueles que pensam nas pessoas que servem, nas pessoas que neles confiaram. E estou magoado. Nunca pensei que fosse assim, que tivesse de ser assim. Esta semana mostrou que o poder está doente, demente, possessivo e alarve. Sem moral. E somos milhões de infelizes a assumir o seu canibalismo feroz. Como foi possível chegarmos aqui? Para os mais fracos, desiste-se. Para os ainda mais fracos, protesta-se e explodem revoltas sem sentido. Porém, é preciso resistir. Esta Pátria, a nossa terra, precia de se defender desta mixórdia. Não suporto imaginar que vou entregar aos meus netos um destino de lamentos e derrotas. É preciso resistir. Já não falo da resistência ideológica. Essa batalha está perdida. Falo da luta pela dignidade, pela alteridade, pelo regresso da confiança nos nossos destinos. É essa a barricada mínima em que me encontro.Com Eça de Queirós na cabeceira da minha última trincheira.

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