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terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Abstenção do PSD e a Propaganda

Durante quatro anos governei a Câmara Municipal de Santarém sem maioria absoluta. Sabia que qualquer das nossas propostas para ser aprovada, em sessão de Câmara, precisava de entendimentos com as outras forças políticas ali representadas. Ora com o PS ora com a CDU.E, ao contrário daquilo que que se entende como o maior inconveniente das maiorias relativas, tornou-se num bem. A discussão prévia aproximou eleitos, permitiu que antes das votações houvesse debate, trocas de pontos de vista, cedências de parte a parte, e chegar a entendimentos. Na segunda metade do mandato percebia, ao elaborar as propostas, com quem as devia discutir. O PS chumbava tudo aquilo que era estratégico por razões que se prendiam com o facto dos vereadores eleitos serem os mesmos que no mandato anterior exerceram o poder. Nem discuto a bondade da posição. Era aquela e ponto final.A CDU, e quando deixou de estar representada por expulsão da então vereadora Luisa Mesquita, tinha outra posição: apresentava as nossas propostas, discutiam entre si (numa primeira fase no interior do PC, na segunda fase com eleitos que saíram solidários com Luisa Mesquita) e votavam conforme aceitávamos ou não as suas propostas.
Não era fácil mas devo dizer que trago desse tempo uma boa memória. A regra democrática impõe a maioria simples na aprovação da maioria dos documentos e não vem mal ao mundo, nem à política, nem às posições iniciais de cada um, discuti-las, ceder quando é caso disso, e apresentá-los com a certeza que não empastelamos a gestão pública daquilo que não é nosso. Apenas ali estamos em delegação do Povo, e por um breve período de tempo. O Poder não é dos eleitos. Apenas lhes é emprestado.
Julgo ser este o erro do governo. Não percebeu que o poder de governar o país não é sua propriedade. O Povo emprestou-o por um período constitucional determinado e ao Povo regressa para decidir se aprovou ou não provou o que foi feito durante esse período de gestão política.Dito isto, tenho seguido com surpresa o psicodrama gerado sobre Orçamento para 2011.O governo, numa manobra de grande habilidade política e de propaganda, tem conseguido passar a ideia de que a responsabilidade da aprovação deste OE depende da decisão do PSD e de Passos Coelho. O Parlamento apagou-se. Só existe PS e, sobretudo, PSD. O aliado do PS para as eleições presidenciais é mera quinquilharia política e a incoerência é tal que não percebo, assim como qualquer cidadão médio, a hipócrita encenação do Bloco de Esquerda.Apoiou Manuel Alegre, para as presidenciais, antes do próprio PS, e agora que estamos em pré-campanha, deixa de rastos a política socialista, da qual manuel Alegre não pode fugir se quer ter algumas expectativas de ser eleito.O Bloco vota contra. Sabia-se desde o início. O PC vota contra. Sabe-se isso para este OE ou para qualquer outro documento estratégico. O PC é isso mesmo. Definha à espera da revolução de rua que tarda em chegar. O CDS estuda.Ou seja, em linguagem futebolística está à mama dos acontecimentos e o PSD é convocado para a decisão final apenas com este argumento patético: é o maior partido da oposição.
A verdade é outra e este filme está ao contrário. Quem governa, e o PS aqui tem razão, é que tem de propor o Orçamento. Ninguém o pode substituir, ninguém pode condicionar o projecto de Orçamento. É o seu documento de trabalho.Mas acaba aqui as razões que merece.O seu primeiro dever cívico e político era no mesmo instante enviá-lo aos parceiros com quem tem de negociar. Permitir-lhes uma reflexão atempada, um estudo cuidado. Não o fez. Atirou cá para fora um conjunto de medidas brutais, algumas de aplicação imediata, outras para incluir no Orçamento e agora decidam. Mas decidam, sobre o quê? Onde está o documento? Bom, esse entrou fora de horas, no dia 15, na Assembleia da República, e só a partir de dia 16 quer o PSD quer os restantes partidos tiveram acesso a ele. Diz o ministro da finanças que este Orçamento é o mais importante dos últimos 25 anos. Sê-lo-á. Não sei. Mas aí a maior das razões para que tivesse sido entregue muito mais cedo para sobre ele se discutir. O governo encenou bem. Quis que se discutisse uma conferência de imprensa e que não houvesse tempo para uma reflexão ponderada sobre a proposta, apresentando-a fora de horas e exigindo decisões dos outros. Particularmente de Passos Coelho e do PSD.
Regresso à minha autarquia quando estávamos em maioria relativa e com respeito às proporções. Fizesse eu uma coisa destas e os vereadores socialistas pura e simplesmente recusam qualquer discussão ou pura e simplesmente reprovavam a proposta. E com razão.Seria obrigada a retirá-la da ordem de trabalhos.
É verdade que quem governa é quem tem de apresentar as propostas estratégicas. Mas é de elementar senso comum que deve, desde logo, negociar, discutir, perceber os indicadores daqueles de quem precisa que consigo votem para ajustar, alterar, equilibrar vontades. O PS diz que quer fazer isto mas, ao mesmo tempo, atira para cima de um partido sem responsabilidades governativas, o ónus da aprovação ou não do seu projecto de Orçamento.Ainda, por cima,esmagando o país ao peso da austeridade que não poupa nada nem ninguém, arrasando a economia nacional.
Julgo que o PSD deveria liminarmente votar contra este OE. Quem assim procede não pode esperar que não recolha tempestades. Foi vento a mais para ficar na paz dos anjos. Não serei capaz de entender uma razão que seja para votar a favor e devo dizer que estarei contra a possibilidade, ainda que remota, desta decisão.Apenas se compreenderá, no pior dos cenários, que se abstenha. Em nome do país. Para que a situação criada pelo adiamento de soluções e reformas, não atire a população para maiores sacrifícios, para a fome e para a miséria. Que se abstenha invocando o maior sofrimento que iria causar a quem não é culpado nem da situação a que chegámos nem das encenações produzidas pela propaganda e acção governamental. E, aí, terá todas as condições para moralmente dar uma lição cívica sobre quem põe a sua gente á frente dos interesses mesquinhos de apropriação do poder.
É o único passo em frente, pequeno, desconfiado, que o PSD deve afirmar. Para lá disso, seria o seu descrédito. Aprovar isto, não é apenas aprovar um mau OE. É aprovar processos engenhosso e malabaristas de governação que promete hoje e desdiz amanhã.

1 comentário:

  1. A verdade é que se perdem horas a discutir o joio, quando a questão é sobre a qualidade do trigo.
    Agarrou-se no Juri e transforma-se em réu!
    A propaganda política tem destas coisas: não basta conteúdo, é preciso saber embrulhar. Nisto (e tire-se-lhe o chapéu) Sócrates é hábil. Mas o Povo não come só embrulhos no longo prazo... pelo menos ainda quero acreditar nisto!

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