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sábado, 23 de novembro de 2013

Polícias em Luta





A manifestação dos polícias, ao ouvir o que dela se diz, resume-se a dois pontos. O primeiro é que os manigfestantes romperam o cordão de segurança e invadiram as escadarias do Parlamento e isso é uma excepção que lhes retira autoridade moral para impedirem outros manifestantes de agirem de igual forma. A segunda questão é que desta 'ilegalidade' resultou a demissão do Director Nacional da PSP.
Julgo que são leituras demasiado simplistas daquilo que se passou e está a passar. E revela que hoje a comunicação releva o epifenómeno em vez do fenómeno. A começar pela descrição da manifestação. Estariam nela cerca de dez mil polícias e, como se vê pela imagem, não era maior nem menor do que outras que vemos no mesmo espaço, promovidas por outras organizações e onde são proclamados números avassaladores. Mais de cinquenta mil, mais de cem mil. A verdade é que a grande manifestação dos polícias reduz á insignificância as majestosas manifestações amplamente divulgadas como sendo o país em peso que ali está. E esta manifestação é grande porquê? Porque representa cinquenta mil homens armados. O verdadeiro poder do Estado que tem a obrigação de executar as determinações do poder político e judicial.
Quem viu as imagens com olhos de ver, perceberá com facilidade, que o rompimento das barreiras foi um acto permissivo, quase tacitamente combinado. Quem viu as imagens com olhos de ver, terá percebido que os polícias organizaram aquela vertigem. Chegaram ás portas da Assembleia e, minutos depois, voltaram-lhe as costas e voluntáriamente afastaram-se do local.
Aquela manifestação simbólica de força é, no meu entender, mais preocupante do que o folclore que tem rodeado o evento. O que aquela gente quis dizer é que vamos até onde queremos ir tão só porque nós somos poder. Somos os instrumentos do poder reconhecido no governo, na Assembleia da República e nos Tribunais.
É claro que reconheço que foi uma demonstração de força excessiva e que foi para além do que é permitido a outros manifestantes.  Mas não foi um erro impensado. Foi uma decisão premeditada. E aqui regressamos ao essencial: o que leva todas as forças de segurança e de investigação criminal, que, no conjunto, são um exército poderosissimo a assumir esta posição de confrontação global? Que descontentamento é este tão grande, tão impaciente, tão revoltado, que leva os mais obedientes servidores do Estado, disciplinados para a obediencia, treinados para cumprir missões, a chegar a este patamar de angústia e de desprezo pelo Poder que servem?
Há meses que existe um ruído de fundo que dá conta do descontentamento. As greves dos guardas prisionais, as greves da PJ, as inciativas dentro da PSP e da GNR, não são apenas de motivação remuneratória.  Julgo, até, que as reivindicações salariais são a parte mais pequena do bolo dos protestos. Falta de quadros, falta de meios, degradação das condições de trabalho, incapacidade para responder ás exigências do proprio Estado, falta de renovação das carreiras, em suma, aqueles homens e mulheres estão a viver e a assistir á desagregação das próprias funções que permitem o exercício das suas profissões, ou seja, assegurar a Soberania, a Ordem, a Tranquilidade Pública, o cumprimento das leis, a realização da Justiça. São as testemunhas privilegiadas desta degradação que, pela natureza da sua acção, representam a degradação das suas profissões. Mais do que dinheiro, aquilo que está já em causa é a dignidade institucional e, parece-me, que o Governo tem olhado com displicência para este problema tão grave como complexo. Sem polícias não há Política. É o axioma maior da organização de qualquer Estado soberano. E, por isso, perdermo-nos nas interpretações mais ou menos morais sobre a demissão de um comandante e o rompimento de uma barreira, é tapar o sol com a peneira. É urgente que chegue o bom senso e o Governo perceba que não pode continuar a fazer de conta que esta realidade e esta degradação não existem e a chutar para canto os protestos com meia dúzia de frases convencionais. Amanhã pode ser tarde.