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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A Revolução: O Dia do Computador pessoal!


As grandes revoluções da História da Humanidade com efeitos perpétuos nas nossas vidas começaram sempre por pequenas descobertas cujos efeitos, já ampliados, modificaram definitivamente comportamentos, maneiras de pensar, entendimentos do mundo. A roda que libertou o homem do trabalho braçal, o telescópio que revolucionou a cultura ancestral, revelando a natureza do universo, o microscópio que deu ao Homem o mundo dos bacilos, dos vírus, das bactérias, a máquina a vapor que alterou radicalmente o entendimentos dos instrumentos de produção e fez nascer as novas economias mundiais, são alguns desses momentos cujos efeitos vão para além dos pretendidos pelos seus criadores com consequências complexas e extraordinárias que mudaram o rumo das Civilizações.

Hoje faz vinte e nove anos que a Macintosh lançou o primeiro computador pessoal. Hoje, pese o curto espaço de tempo decorrido, estamos a falar de uma peça de arqueologia. Porém, os desenvolvimentos deste produto trouxeram um mundo novo ao Mundo. Milhões de pessoas estão ligadas em rede a partir das suas casas com instituições, com outros países, tornando-se numa necessidade que modificou radicalmente as nossas formas de agir e de conhecer. Desde o assassinato puro e simples das velhas máquinas de dactilografar até à condução de satélites para além do sistema solar, esta máquina está a produzir efeitos que nós, na pressa dos dias, nem damos conta de como vivemos uma revolução radical que só tem paralelo com a revolução industrial.

O grande anseio do Homem é vencer o tempo e a distância. Não admira, o tempo e o espaço são as duas coordenadas essenciais para a nossa memória. Não conseguimos viver sem um espaço e fora de um tempo. Construímo-nos dentro dessas baias. Morremos dentro delas. E porque sabemos que a Morte é o ponto final, num percurso que desejávamos imortal, desde sempre, a obsessão maior da existência foi construir a ilusão de que podemos vencer o tempo e anular o espaço, garantia ilusória de que, deste modo, superamos a História, vencendo essa certeza bíblica que nos garante que em dia e hora que desconhecemos todos iremos morrer.

O computador é a arma mais poderosa, assim como outros produtos da revolução cibernética, tais como o telemóvel e instrumentos aplicados no mundo bio-médico (no dominio da medicina nuclear) que alguma vez a Humanidade dispôs para chegar ao sonho profundo da Utopia (ausência de espaço)  e da Ucronia (ausência de tempo). 

O tempo deixou de ser comandada pelas horas e pelos minutos para a sua unidade primordial ser o instante do enter. O espaço unificou-se pois basta abrir o site de melhor conveniência e assistimos e vivemos, a partir da nossa casa, à guerra na Síria, ao lançamento de uma nave espacial nos Estados Unidos, a um jogo de futebol em Tóquio. Em directo, testemunhas directas daquilo que se passa em todos os cantos do mundo.

As profundas alterações que introduziu nos nossos quotidianos é de tal forma radical que construiu novas formas de comunicação, novas linguagens, novas formas de trabalho. Até a nossa Lingua está aqui em permanente modificação pese a preguiça intelectual daqueles que discutem o novo Acordo Ortográfico sem considerar o número infinito de expressões, de códigos, de novas palavras que surgiram nas redes sociais e, também, nos sms's.

Celebramos, pois, o início de uma Nova Idade cujas consequências ainda estão muito longe de percebermos e somos testemunhas e actores de uma revolução formidável que transforma rápidamente o Mundo, a política, a economia, os homens e as nossas relações. 

É, pois, tempo de celebrar o nascimento do computador pessoal (agora já é pessoal e portátil) e de o pensarmos dentro do quadro de reflexões que sobredeterminam as nossas visões do Mundo.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Ao Zé Correia: Com Lágrimas!



Os grandes homens, na maioria dos casos, habitam na invisibilidade dos dias. Conhecessem-se, amam-se, sabemos que a sua presença e vida enriquece cada comunidade, seja escola, seja aldeia, seja vila ou cidade e a sua presença, discreta mas que sabemos estar lá, reforçam o nosso sentimento de segurança e de adoração pela Vida que nos permitiu conhecê-los, com eles conviver e a admirá-los. É o caso de Zé Correia. Fora de Moura e dos seus arredores, talvez haja uma mão cheia de gente que saiba que ele é. Mas lá na nossa terra, ele foi ídolo, foi exemplo, foi pedagogo à sua maneira e, sobretudo, foi um homem bom. Solidário. Ontem, ao confirmar a notícia da sua morte no jornal A Planície, o coração bateu mais devagar, em silêncio e em lágrimas. E sei que ele não gostaria que fizesse aquilo que vou fazer. Demasiado discreto para evocações públicas, demasiado delicado para incomodar alguém com a sua presença. Ou com a sua ausência. Mas é preciso que se saiba que houve um homem chamado José da Cruz Correia e que partiu deixando saudades no coração de muita gente e deixou alguns bem mais pobres porque perderam um velho amigo. Eu sinto-me hoje bem mais pobre, bem mais só, e com uma saudade intensa que só se resolverá quando a memória o recolher no nosso panteão de imortalidade pessoal.
Conheci-o vai para cinquenta anos. Eu era um puto que entrava no 1º ano do ciclo (agora 5º ano)e da vida pouco mais sabia que o nome do primeiro rei de Portugal, os cromos mais importantes da colecção de barcos, o calibre dos melhores berlindes para o jogo dos três covais e, tudo isto, com uma bola de futebol sempre presente. Nesse tempo a televisão dava os primeiros passos e, agora, sei que fiz parte do Cinema Paraíso. Corríamos de cadeira na mão à casa de um amigo para ver o filme da noite, ou acompanhava o meu avô ao café Ideal, em Moura, para ver o Sporting e ás vezes o Benfica. O meu avô António foi meu padrinho de baptismo de sportinguista, e o Ideal foi a minha pia baptismal, que fez de mim devoto dos Leões ao ver a magia do Seminário e do Geo, do Carvalho, do Hilário, do Alexandre Batista e do Zé Carlos. Também foi o Ideal que me apresentou o Eusébio. Ainda menino, vi a final do Benfica contra o Real Madrid. Toda a gente falava do Grosso, do Gento, do Di Stéfano os nomes maiores do futebol da altura e o Benfica era o Zé Águas, o Zé Augusto, o Cavém, o extraordinário Coluna, o Cruz, o Costa Pereira e no meio destes gigantes havia um puto que se chamava Eusébio. Compreendi logo naquela noite, especialista em jogo de carica, que aquele puto tinha um brilho de rei que apagou os brilho de todas as estrelas.
Foi nesse tempo que conheci o Prof. José Correia. Era o responsável pela Educação Física e causa-me estranheza porque jogara pelo Benfica, embora por pouco tempo, e tinha alma de Leão. As suas aulas eram simples e, simultâneamente, totais. Fazíamos exercícios para aquecer, outros tanto para conhecermos o nosso corpo, e mais outros para desenvolver músculos e facilitar o crescimento. Mas ensinava mais. Como se troca a bola ao primeiro toque, as regras do andebol e de outras disciplinas afins e, acima disto tudo, cultivava e educava no respeito pelo outro. A competição como forma de crescer, a delicadeza para os adversários, o prazer dos desprazer da derrota, a alegria simples das vitórias, sublinhando sempre o carácter transitório e efémero dos jogos, das vitórias e das derrotas, e glorificando o valor da amizade, do desportivismo, da são camaradagem. 
Escutava-o com fascínio e bebia as palavras serenas com que nos elogiava ou rectificava os nossos erros. Foi dois anos meu professor e tratava-me por Chico Flores.Depois perdi-o de vista. Ele abandonara o ensino e dedicava-se à actividade bancária. Eu seguira para o Liceu de Beja. Era raro encontrar-mo-nos mas cada encontro era uma festa. Com ele aprendia sempre mais alguma coisa e as suas observações serenas, bem humoradas. Nesse tempo ele era velho e eu era novo. Era velho para os meus olhos de jovem. Talvez tivesse mais vinte anos do que eu. Quando nasceram os meus filhos, percebi a sua verdadeira dimensão humana, o seu carinho pelos mais pequenos, o seu jeito de ensinar. Passavam eles a fase da descoberta dos palavrões e Zé Correia ensinou-lhes os piores. - Se te chamarem isso, respondes que são filhos de um trapézio. Se te chamarem aquilo, responde-lhes que são filhos de uma hipotenusa. E nunca mandem os vossos colegas para o lado que cheira mal. Se vos insultarem, respondem: vai para rectângulo, pá!
Compreendi, ainda melhor esta ternura, quando foi avô e os netos se multiplicaram. Da ternura sem nome, da delicadeza cuidada. E ficam nas memórias mais doces do meu tempo de juventude, os serões quentes na esplanada do Ideal ou, então, no mercado, no café do José do Carmo. Ele, o José das Estevas, o Joaquim Condeça, o Herbert era um grupo de histórias e de boa disposição que confortavam mais que qualquer concurso apresentado pelo meu querido e saudoso amigo Artur Agostinho.
Parti de Moura há perto de quarenta anos. Regressava nas férias, nalgum fim de semana prolongado, e sabia que entre as coisas que voltava a ver, muitas me confortavam no reencontro. O jardim, a igreja do Carmo, as ruas da Mouraria, a Muralha, onde viviam os meus avós, o Ideal e....O Zé Correia. Ele proibira-me de o tratar por professor e eu continuava Chico Maria pois que também o proibi de me tratar por doutor. Ficam como evocação apaixonada as discussões políticas a seguir ao 25 de Abril. O Herbert exaltado e apaixonado, grande resistente à Ditadura, o seu irmão Jaquelino mais empolgado e emotivo, o Zé das Estevas mais curioso, eu á espera da grande revolução popular, e todos à espera que o Atlético de Moura subisse de divisão e as discussões intermináveis aproximavam-nos ainda mais e eram com saudade que dizíamos adeus. 
Houve um tempo em que a Vida foi mais rija do que nós. Separou-nos. Primeiro na PJ, depois investigando por esse mundo fora,em Paris, em Lausanne, na China, na Malásia, na Índia, nas Filipinas, nos Estados Unidos, no Brasil mas eu sabia que eles estavam bem e eles sabiam das minhas saudades. O primeiro grande choque foi a morte da esposa do Zé Correia. Eu acabara de aterrar na Irlanda, para uma palestra, e o meu pai ligou-e a dizer que ela morrera de morte súbita. Nunca lhe disse como foram magoados esses quatro dias que passei em Dublin. A profunda mágoa pelo seu infortúnio que Zé Correia idolatrava a sua esposa. A seguir partiu a minha mãe e foi a última vez que o vi. No funeral onde veio consolar a minha mágoa. mas já estabelecera um ritual que era sempre cumprido. Todos os anos, se estávamos longe, pelo Natal tocava o telefone e era, primeiro a esposa e o Zé, depois só ele, a desejar as boas festas e um bom ano novo. Podíamos estar muito tempo sem nos vermos e o toque repetia-se e o Natal era mais doce porque tinha falado com ele. Em contrapartida, chegavam-lhe ás mãos exemplares das primeiras edições dos meus livros. Fazia questão de lhos entregar a ele e a outros amigos. Há dois anos saiu um livro meu para crianças. As Histórias da Maresia do Mar . Não lho enviei e recebi protesto. Respondi-lhe: Ó Zezinho, isso é livro para putos! Que não. Fazia questão de os ler todos e a honra de os coleccionar. Sei que os coleccionava porque na estante não ficava apenas mais um livro mas um pedaço da nossa amizade nunca desfeita.
Este ano tocaram sininhos a rebate. O telefonema do Zé Correia não chegou e achei tão estranho, eu que vivo longe desse culto infernal de desejar boas festas a quem conhecemos ou mal conhecemos, que não fiquei sossegado.
Chegaram os Reis e o telefonema não veio. E neste momento, como estou a finalizar o meu próximo romance que deve sair em Maio, prometi a mim mesmo que lho ia entregar em mão e dar-lhe um raspanete por não ter telefonado. E já agora, para fazermos as pazes, levar-lhe-ia As Histórias da Maresia do Mar, livro de putos que ele insistia em ler. Um alarme tocou e fiz um telefonema a um amigo que me disse: Eh, pá! Eu não tenho a certeza mas acho que o Zé Correia morreu há uns meses. Fiquei em pânico e contactei A Planície para confirmar ou não esta dura notícia. Confirmaram e senti-me vencido. Cansado. Tão magoado que as lágrimas e o silêncio fizeram acudir a minha filha. 
- O que tens, papá?
- Um dos meus maiores amigos faleceu, minha filha e eu só soube agora. 
Que raio de vida esta que nos afoga nos maiores devaneios e nos faz esquecer a substancia da própria existência? O conhecimento tardio daquele Amigo bom, bondoso, sereno, discreto, inteligente, afectuoso é um golpe que julgava não merecer. Não é vedeta, nenhuma televisão anunciou  a sua morte, nenhum obituário de peso a comunicou e hoje sinto a solidão das partidas que não regressam, esta saudade dura e amargurada, e sinto-me tão pobre, tão vazio, que decidi escrever para os milhares de amigos que me seguem, que perdi um grande amigo e o telefonema de Natal que dava mais luz á quadra que acabámos de viver. E escrevo em sua homenagem porque é preciso que saiba, que em Moura, durante oitenta anos, viveu um homem justo e bom, semeador da amizade e da inteligência e que faz parte da minha galeria de tesouros, pela honra que sempre senti por tê-lo como um Amigo que todos desejaríamos ter. 
Zezinho, no próximo Natal, telefona-me do Céu. Juro-te que antes disso entrego aos teus filhos os dois livros em falta, já que a falta que me fazes, ninguém pode reparar. Um abraço querido amigo. Até sempre. Até sempre!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Eusébio no Panteão?


Perdoe-se-me a pergunta que assinala esta reflexão. Mas hoje ouvi, no desenrolar do funeral deste nosso ídolo, atleta genial, homem de grandeza superior na sua humildade, desta figura de Portugal e do Mundo uma espécie de movimento desorganizado, embora fervendo de compreensível emoção, que pedia a ida do corpo de Eusébio para o Panteão Nacional. 
Passei a vida a estudar mortos e cemitérios. Conheço perto de quinhentos em todos os continentes e os rituais de evocação e rememoração que a eles estão associados. Conheço vários panteões e memoriais, e com poucas excepções, como é o caso do Panteão de Paris, de Westminster em Londres, ou os memoriais a Lincoln,em Washington, ou a Lénine, em Moscovo, a que acorre muita gente, permitam-me uma sugestão que julgo sensata e históricamente legítima. Não quero com esta sugestão ferir os corações mais amargurados pela perda do nosso Eusébio, nem tão pouco dar uma sarrafada no oportunismo político que parece querer agarrar nesta ideia do Panteão como a última decisão redentora.
Já o escrevi, em vão é certo, quando foi de Amália Rodrigues, querida amiga de quem guardo mutas saudades e memórias doces. Faço-o outra vez, agora, em nome do reconhecimento destes verdadeiros heróis nacionais e que honraram, aqui e pelo mundo, a nossa Pátria.
A tradição portuguesa da estatuária evocativa dos grandes homens é produção da propaganda republicana e teve o seu início em 1880 com o centenário de Camões e, logo, em 1882, a propósito do centenário do Marquês de Pombal. A preocupação das élites republicanas era lembrar o povo através da representação escultural, os grandes homens e os grandes serviços prestados a Portugal. Assim como o seu carácter e exemplaridade cívica, cultural e política. Toda a estatuária que se lhe segue, mesmo durante o Estado Novo, que elegeu outro tipo de heróis como o Infante D. Henrique ou Nuno Álvares Pereira, constituem a mesma marca de imortalidade, de presença incontornável, de modelo a seguir, de exemplo para a comunidade. Não é por acaso, que nestes dias de tristeza, foi exactamente a estátua de Eusébio, junto ao Estádio da Luz, um dos locais mais concorridos para celebrar o genial jogador e convocar a sua memória como uma pertença e uma partilha que não se esfuma com os sinais desagregadores da morte. 
É exactamente nos finais do séc. XIX que aceleram os movimentos de estatuária nos grandes cemitérios românticos. Em Lisboa, já nos finais da primeira República, o vereador Alfredo Guisado levou a efeito uma verdadeira revolução, redimensionando e embelezando o cemitério do Alto de S. João. O mesmo aconteceu com o cemitério dos Prazeres, já em democracia, sob a batuta do vereador Rui Godinho, em edilidades presididas por Jorge Sampaio e João Soares. 
Quem entrar nestes cemitérios, e apenas me reporto a Lisboa porque aqui está sepultado Eusébio, vê-lo-á como espaços monumentais, cruzados por ruas e avenidas, grandes manchas floristicas ou florestais (Prazeres é o maior concentrado de ciprestes da Europa em espaço fechado) e ao longo das avenidas estão depositados os restos mortais de muitos dos grandes heróis da história liberal e republicana. Sebastião Magalhães Lima, José Fontana, Azedo Gneco, Eduardo Cortesão, Bento Jesus Caraça, Sousa Viterbo, o jazigo dos Escritores, Humberto Delgado (Prazeres) assim como Filinto Elísio, José Rodrigues Migueis, Borges Grainha, Ivone Silva, Elias Garcia, Miguel Bombarda, Cândido dos Reis, Machado de Castro, os Mortos do Tarrafal, (Alto de S.João) entre outros, ali se encontram para quem ali entre, e são milhares de portugueses que visitam estes cemitérios, nesta figuras reconheça a sua História, os seus heróis e, sobretudo se reencontre com a memória. Não é por acaso que, mesmo em Paris, onde Moliére foi panteonizado, o seu túmulo continua a existir no Pére Lachaise como muito mais visitas do que os seus restos mortais, enclausurados no Panteão Nacional.
Tivesse a actual câmara de Lisboa alguma sensibilidade humanista, e não apenas política, para o que representa a Morte dos grandes homens e teria seguramente pedido, de imediato, o controlo das exéquias fúnebres e preparado o sepultamento de Eusébio numa destas grandes avenidas cemiteriais, onde ficaria como testemunho do homem que foi e da grandeza que entregou a Portugal e a Lisboa, para que o povo, nos passeios pela sua memória, por ele passasse e homenageasse publicamente como o sempre fez nos grandes estádios cheios de multidões. O mesmo se passaria com Amália. 
É, no meu entender, um erro grosseiro esconder das pessoas que o aclamaram e admiram, os restos mortais de Eusébio. O panteão, particularmente o nosso, não tem os braços abertos á população. É um esconderijo de gente ilustre, é certo, mas que se apaga na memória por ausência de ritos de evocação e da mera constatação acidental, por um funeral, por uma romaria, de que ali está a memória viva de Eusébio.  
Vivemos um tempo em que o ritmo acelerou a tal ponto que diminui rápidamente o tempo do luto, da rememoração, da evocação. Fechar os grandes mortos num Panteão adormecido, tem algo de orgulho e vaidade de peralta, mas não cumpre a regra de presentificação da memória que os grandes espaços sepulturais permitem. Pior ainda, é deixá-lo no cemitério do Lumiar, que embora digno, está ausente desta monumentalidade evocativa que se desprende do Alto de S. João e dos Prazeres. Quem conhece os grandes cemitérios do mundo sabe bem que assim é. Os túmulos de Edith Piaf ou de Jimmy Hendrix são, ainda hoje, locais de romarias diárias no Pére Lachaise. Assim como de tantos outros intelectuais e desportistas que ali e em Montmartre ficaram como sinal de que são pedaços da memória colectiva. O mesmo se passa nas outras capitais do mundo.
Sei que não valerá de nada este meu contributo. Os políticos arreganham-se para se apropriar do palco que esta triste morte lhes deu e o destino vai ser o Panteão ou o esquecimento, se outros heróis o substituirem. Pior do que isso. Amália e Eusébio são símbolos de um povo inteiro, orgulho de uma Pátria que ultrapassam fronteiras cada vez com mais portugueses a trabalhar por esse mundo fora. Não são um produto das élites intelectuais. Eles são élites por qualidades e talentos naturais nos quais milhões de portugueses e cidadãos de todo o mundo reconhecem, admiram e amam e agradecem os legados que nos deixaram.
É a sugestão que vos deixo. Como estudioso deste fenómeno e, sobretudo, como cidadão magoado com a perda de tão extraordinário cidadão que foi Eusébio. Paz à sua Alma!