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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A Vitória de Cavaco

Em cada processo eleitoral assistimos, invariávelmente, a um esforço de interpretação política que tende a minimizar derrotas e a valorizar vitórias. Aliás, derrota é uma palavra proibida. 'Um resultado menos bom', 'não foi aquilo que esperávamos', 'ficámos aquém das expectativas', e por aí adiante, são expressões de ilusionismo e mistificação que afastam a força das palavras certas, e certeiras, com que se qualificam as verdades que todos vemos. O exemplo histórico é o PCP. De cada derrota estrondosa, há uma explicação vitoriosa. Desta vez propunha-se a forçar uma segunda volta, tal como os restantes candidatos que se opunham a Cavaco Silva, e, ainda, ser Francisco Lopes o lider desse combate final. Não só não conseguiu nenhum deste objectivos como foi arrasado em Beja, círculo onde há cinco anos o PCP ganhou as eleições, e nem por isso deixou de celebrar mais 'esta vitória' do Povo de dos 'trabalhadores portugueses'. Será o caso mais radical de autismo mas não é o único. Sobretudo quando se introduz a abstenção como argumento de preocupação e de alteração da composição percentual do resultado final. Sabe-se (o Jorge Sá explica os movimentos abstencionistas muito bem e estas eleições confirmaram-no) que o fenómeno atingiu todos os candidatos que possuiam histórico eleitoral a partir dos partidos que os apoiavam.

Vitória de Cavaco

A vitória de Cavaco Silva é expressiva e revela uma característica que é a centelha que ilumina este candidato desde sempre. Vale mais do que os partidos que o apoiam e entra em todos os eleitorados ditos de esquerda, não só no PS como nos eleitores do PCP(CDU) e é uma lição que o principal partido que o apoia (o PSD) por vezes esquece. As suas preocupações e o seu discurso político está afinado para intuir as expectativas do Povo e dos 'trabalhadores portugueses', despachando a retórica comunista para o território do lugar comum. E humilhando Carlos César, o seu mais consequente adversário ao longo do mandato o atingiu várias vezes, sobretudo, desde a polémica sobre o Estatuto dos Açores. Aqui ganhou em toda a linha.

Derrota de Alegre

Não é possível casar um Partido com a responsabilidade do PS com o Bloco de Esquerda, essa amálgama de revoltados, de trostkistas, maoístas, leninistas, críticos, sem outro objectivo ou outro combate que não seja estar contra. Um saco de gente que nunca contribuiu para um único acto sério para a saúde da República a não ser o protesto, a palavra redonda, o ódio com que atinge instituições e pessoas (os cartazes com caras desgarradas de pessoas que na sua óptica são os responsáveis pela crise é de uma baixeza moral e cívica inqualificável) o populismo dito de esquerda, que de tudo se serve para minar e atingir a estrutura do Estado democrático. Alegre sofreu com esta aliança e sofre uma derrota humilhante. Valeu-lhe o discurso austero de reconhecimento de derrota, onde o espírito do grande poeta regressou, e a ajuda magnânima de José Sócrates que no balanço final não ajustou contas com o seu principal adversário político, antes confortou o candidato (que não era o seu) esquecendo a forma como a candidatura se construiu em sistemática guerra contra o PS.

O resto é o resto. Defensor Moura veio à campanha dirimir ódios pessoais. Coisa feia para quem se candidata a um lugar com o rigor exigível a um presidente da República. Fica com mais razões para o ódio. É que não lhe ligaram puto. Lá continuará com a obsessão do pedestal de onde, segundo ele, tirou o presidente.Coisa que só significa decadência. Mais nada.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

A Vaidade e o Martírio



Começam a surgir os candidatos à Presidência do Sporting, um desfile de vaidades, tal como já se adivinhava, e os nomes que se ouvem, na sua maioria, não têm a mínima condição para a função. Podem dar boas entrevistas, fazer uns retratos interessantes, dizer umas coisas com sentido porém, vão buscar, mais uma vez, dividendos pessoais em vez de provocar a mudança necessária que o Clube precisa. Temo que o espectáculo mediático substitua o pragmatismo e os associados caiam mais uma vez na armadilha das laudatórias e discursos emocionados e não percebam que, neste momento, aquilo que se joga é tão só e simplesmente salvar o Clube da bancarrtoa e devolver-lhe dignidade.
O resto é treta. Muita declaração de amor, muito espavento, muita parra e pouca uva. Daí que o perfil do presidente, a sua capacidade de negociar, de influenciar, de afirmar autoridade e severidade na gestão, precise de um homem sólido na acção e na negociação. E só vejo um: José Maria Ricciardi. Discreto, sportinguista de alma e coração, conhece a vida financeira do Clube, domina o mercado financeiro como poucos, ama o clube e não gosta de espectáculo, nem desmaia de gozo e vaidade perante uma câmara de televisão.
Não há outro neste momento. O resto é uma procissão de vaidades, de espavento, de afirmação pessoal que vai atirar o Sporting para uma situação ainda dramática.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Fraca Decisão, Uma Boa Decisão

A decisão, há pouco anunciada, de demissão de Presidente do Sporting por José Eduardo Bettencourt é o espelho da gestão desta direcção. Reagir à perda de um jogo (apenas mais entre tantos) batendo com a porta é o exemplo absoluto daquilo que um Presidente não pode fazer. Revela a ausência de força para liderar e um estado transtornado perante as dificuldades que o Clube atravessa. Um lider pode sair em qualquer hora do seu lugar, abandonar um projecto porque deixou de fazer sentido, pois os homens não são eternos nem insubstituíveis, mas jamais pode abandonar um barco no meio de uma tempestade, irritado, zangado, seja aquilo que for, porque perdeu um jogo de futebol. Minutos depois desta decisão, já um comentador desculpava a atitude, numa rádio, dizendo que isto era uma decisão a quente, que os amigos haveriam de mais tarde apaziguar o seu estado de espírito, que ser-lhe-ia pedido que voltasse a assumir as responsabilidades do Clube.
Nada mais errado. O amiguismo pode implorar afectos, lágrimas, conversões, birras, desculpas e os abraços da praxe para glorificar este ou aquele estado de alma, mas jamais farão um líder e um líder não se demite por causa de uma derrota, por mais humilhante que ela seja. Se fosse a humilhação um sinal de demissão outras derrotas o Sporting sofreu que mereciam esta demissão. E a grandeza e as dificuldades que  o Clube atravessa não são compatíveis com este estados de alma, nem com fraquezas do momento.
A massa associativa confiou-lhe a liderança para liderar. Não foi para fazer birras. A auto-estima de um grande Clube precisa de rasgos de génio, os problemas que tem para resolver necessitam de mão firme. E é capaz de ter chegado a hora desse lider surgir e asumir os destinos deste emblema que ao longo de décadas honrou o desporto e o país. Ou então, de estado de alma em estado de alma, não demorará muito tempo para que esta caminhada para o abismo não resulte num situação igual áquela que viveram outros grandes clubes e que agora vegetam por aí, sem esperança nem vintém.

domingo, 9 de janeiro de 2011

A Morte de Carlos Castro

Há trinta anos, quando apresentei o meu primeiro romance, era um autor desconhecido que dava os primeiros passos no dificil mundo editorial e não esperava desse título - Bastardos - outra coisa que não fosse o entreabrir da porta que me levasse a realizar o grande sonho de ser escritor. A editora nem apostou no livro. Fui eu e uns amigos que organizámos o lançamento, pago da nossa algibeira. Foi através de outros amigos que procurei divulgar aquele livrinho, que na verdade não passava de um livrinho, mas que naquele tempo era tão grande, tão importante dentro dos meus sonhos, que mereceria farta divulgação. O Martins telefonou-me: Vai ao lançamento um tipo que pode ajudar-te na divulgação dos Bastardos. Chama-se Carlos Castro. E foi.Era o único jornalista presente.
Surgiu com um fotógrafo e assistiu com agrado à apresentação feita pelo Luis Filipe Costa.E sei que divulgou abundantemente o livro por revistas e jornais em que colaborava. Nunca mais esqueci este gesto de generosidade com um jovem escritor e livro após livro tornámo-nos amigos. Quando publiquei um dos meus últimos romances, ralhei com ele. - Eh, pá, deixaste de aparecer no lançamento dos meus livros.
Respondeu com uma gargalhada: Já não precisas de mim.
Na noite em que terminou a série a Ferreirinha, que escrevi para a RTP, e onde a Filomena fazia o papel de D. António (o episódio descreve a morte da senhora) e reconheço que foi um dos meus trabalhos com melhor carpintaria dramática, entre as dezenas de telefonemas que recebi, falou-me o Carlos. Com a voz embargada de emoção a dar os parabéns, pediu-me para passar o telefone à Filomena e ter-lhe-á dito elogios que a vi chorar em silêncio a agradecida pelas palavras.
A última vez que nos encontrámos foi neste verão, numa inciativa do Correio da Manhã. Continuava o mesmo homem rebelde, simpático,bondoso, amigo dos seus amigos, corrosivo, irónico, bem disposto. Sabia que era homossexual mas não tínhamos proximidade suficiente para  conhecer o seu namorado/companheiro.Mas também sabia que impusera a sua presença, na comunicação social, através de muito sem preconceitos, através de muito trabalho e de muita paixão. Ainda não compreendi como foi tão barbaramente assassinado. Pior: ainda não me recompus da morte deste amigo que um dia, há muitos anos, chegou ao lançamento daquele livro, sozinho, sem tibiezas para incentivar o jovem escritor: se é este o caminho que escolheste, luta por ele. Sem desfalecimento.
Adeus Carlos. Não te queria dizer adeus, mas a brutalidade da tua morte obriga-me. Até um dia.