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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

UMA NOVA AMBIÇÃO (III)

As grande rupturas culturais e civilizacionais (as verdadeiras revoluções no sentido de transformação profunda e radical) não se produzem com um estalar de dedos, nem com mais ou menos manifestações. Nem com mais ou menos reformas. Nem com mais ou menos austeridade. Tudo isto são expressões materiais e políticas de gestão problemas que afloram e necessitam de pensos e remédios, válvulas de escape e catarse colectiva, para reequilibrar formalmente os modelos em que se teima em acreditar. Aquilo a que hoje assistimos sob os mais intensos holofotes - acordos com a troyca, protestos, políticas orçamentais restritivas, indiferença ao desemprego, e por esta via ao valor do trabalho, ausência de investimento, e por esta via ao adiamento de adaptação aos novos tempos por parte dos empresários - fazem parte do mesmo puzzle de raciocínio e acção. Porém, deve dizer-se que são inegáveis os sinais de degradação e decadência em todas as áreas da produção de poder, seja ideológico, seja programático, seja nos domínios mais instrumentais como é o caso dos sindicatos, dos partidos, da associações de empresários, todos mais preocupados com o efémero (projectos para um, dois anos) do que estratégias de longo prazo. 
Veja-se como exemplo de degradação ideológica o Partido Comunista. Do seu léxico formal, das grandes narrativas públicas, há muito que saíram expressões como 'classe operária', 'camponeses pobres', os 'soldados e marinheiros'. Hoje domina e determina a narrativa a palavra 'trabalhadores', conceito genérico e abrangente, ambíguo, sem categorias identificadas, cabendo aí tudo e todos. Parece um problema menor mas não o é. É substancial. Quem ler os textos marxistas e leninistas, assim como as teses dos Congressos comunistas, sabe que a crença na revolução proletária, assenta na liderança da classe operária (cuja vanguarda é o Partido) na luta de classes contra o capital e os detentores do poder que o suporta. É certo que esta convicção não se perdeu no discurso comunista. O derrube do regime é a finalidade última da sua acção política com a emergência de uma sociedade socialista como existiu nos países de Leste. Porém, a deriva semântica, esconde a falência da crença e a incompreensão de uma realidade, corrigida hábilmente pelo conceito de 'trabalhadores'. A ruína dos campos e a dissolução de um denso tecido de camponeses por um lado, as alterações profundas nos processos de trabalho do operariado 'contaminados' pela democratização das novas tecnologias que os diferenciou, perdendo-se o sentido de massas de mão de obra explorada, no sentido que se vê relatado nos livros de Dickens, surgindo grupos cada vez maiores de 'aristocratas' , com forte poder de compra, graças ao domínio de competência técnicas que os arrancam ao domínio das 'vítimas da fome' e dos 'famélicos' da Terra.
Dou este exemplo mas poderíamos continuar por aí com os outros partidos. A social democracia do PSD ou o socialismo do PS não resistem á confrontação com os seus pressupostos ideológicos tendo em conta os seus discursos dominantes.
Não creio que estes anacronismos tenham a ver com o tal populismo simplista, analfabeto e vulgar que resulta da desorientação popular face ás diferentes narrativas e remete a política e os políticos para a singularidade insultuosa de que 'eles são todos iguais'. Seria mais rigoroso gritar 'Eles estão todos desorientados'. Sobretudo perderam o sentido essencial da política que é gerir o direito sagrado á Esperança. Quer a Situação quer a Oposição não conseguem construir um objectivo que entregue a necessidade e fomente o direito de acreditar que o futuro não é apenas sofrimento. Não é por maldade. É porque o mundo que representam, e sobre o qual modelam os discursos, já não é aquele que, na verdade, está aí a exigir uma Nova Ambição.
A Escola
O ranking das escolas e os becos sem saídas dos estudantes, o brutal desemprego de professores, o excesso de produção de 'doutores', a modelagem de um sistema de ensino que vive da massificação (e ainda bem) mas que é indiferente ao rigor, á competitvidade, a indiferença curricular com os grandes acontecimentos históricos que mudam os nossos quotidianos, o desprezo pelos valores de identidade nacional e cidadania, o afastamento dos pais (por auto e por hetero-exclusão) do processo educativo, faz alastrar esta mancha enorme de mão de obra pouco qualificada, sem destino prevísivel, apta a integrar o imenso exército de desempregados, pouco qualificada para os desafios ausentes das expectativas políticas geradas mas omnipresentes na realidade que vai fazer frente a esses alunos.
Talvez nunca tanto como hoje se trabalhe na escola. Tenho uma filha de 14 anos e sei a carga de trabalho que a sufoca. Para garantir competências diferenciadas dez a doze horas da sua vida estão agarradas á actividade escolar. 
Na idade da formação das identidades individuais é tão importante estudar a matéria académica como brincar, entendendo-se o brincar como processo de socialização e de construção psico-afectiva do mundo social da criança. Nunca como hoje, é necessário repensar a ideia de tempo livre, que as conhecidas e rotineiras 'AEC's' e outras propostas mais ou menos idênticas não privilegiam. E, sobretudo, como prioridade das prioridades é urgente definir um programa, ou vários programas educativos, onde quem nos governa tem de saber o que quer das nossas crianças daqui por cinco, dez anos, vinte anos, oferecendo escolhas de decisão para futuros adequados, longe desta produção, a raiar o imbecil, de professores, doutores e engenheiros que mergulham no desemprego mais desesperado. 
Qualquer reforma no ensino tem que obrigatóriamente inscrever expectativas de futuro produtivo. Seja em qual for a área de trabalho. Ou seja, valorizando o trabalho em vez de titulaturas. Entregando ao trabalho privilégios que provoquem o prazer de estudar e de trabalhar. Exaltando e protegendo o valor do trabalho como o verdadeiro motor da competitividade, do crescimento, da produção da riqueza. Julgo mesmo que todas as actividades relacionadas com o trabalho e a valorização das empresas deveriam ser afastadas das algemas fiscais, pois aqui reside o único caminho por onde Portugal pode sair desta complexa crise: formar com rigor, educar com rigor, adaptar o ensino e a educação ás exigências das revoluções invisiveis, á exigência de conhecimento dos direitos de cidadania articulados com os direitos da Terra, orientando políticas fiscais para quem tenha necessidade de limitar estes direitos. Julgo mesmo que o consumismo é a doença maior deste descontrolo. A ideologia do excesso inútil. Intervir fiscalmente nos consumos, tornando as receitas do Estado uma fonte de exemplaridade cívica e de justiça é um caminho que não pode deixar de ser caminhado. Mas sobre isto, falaremos depois.
(continua) 

4 comentários:

  1. Felizmente não o terei como presidente de Câmara. Tenho a TV ligada enquanto estou a trabalhar e às vezes ouço aquele programa Justiça Cega. Sempre o achei demasiado "velho", conservador e que não acompanhou os tempos modernos. Demasiado paternalista e parado no tempo. Ora isto vem a propósito do "conhecimento do orçamento de estado" antes de ele ter sido aprovado na AR. Pelo que ouvi percebi que se foi sindicalizado não VIVEU as lutas que decorreram até 1990. Ora vamos lá por partes: sabia que os sindicatos sabem do orçamento e de qualquer lei que o governo queira fazer ou vá aprovar? Sabia que portanto não foi só a AR a ter o conhecimento destes documentos. COMPETE aos sindicatos e aos CIDADÃOS deste país lerem e saberem o que se "coze"...Esquece que a maioria dos portugueses/as teve desde 1980 (até a 2008)mais do que 12 anos de escolaridade cujo currículo nacional tem escrito "preparação para a cidadania". E se souber que funcionários públicos são os médicos do sns, os professores da escola pública e tb os enfermeiros...e que estes têm 5 a 9 anos de estudos universitários deve compreender que estamos atentos a Portugal, à Europa e ao mundo. Não vivemos para o futebol, as novelas ou cncursos e raspadinhas. Sendo assim nós os tais com qualificações acima de 9º ano de escolaridade ( feito na escola PÚBLICA)lemos até jornais estrangeiros para sabermos se os que estão na AR e nos partidos, os que nós sustentamos CUMPREM com seus deveres: REPRESENTAR O POVO QUE VOTOU NELES e não servirem-se de seu cargo para impor uma ideologia. Já não estamos no século XX mas no século XXI e bastante escaldados com os governos dos últimos 35 anos...A sua opinião é de quem aterrou agora na Terra e nada sabe da formação que desde 1976/80 tem sido dada aos jovens entre os 12 e 18 anos de idade. E depois esquece que os senhores deputados, pelos menos dos partidos à esquerda do PSD e do CDS, têm de falar com os sindicatos acerca de aspectos que eles não dominam por não serem estivadores, funcionários públicos não juizes ou bancários/advogados ou resultado de licenciaturas relváticas. Sabia que na AR há partidos que pedem a professores, sindicalistas etc para lá se deslocarem para falarem sobre possíveis resultados de leis e documentos que passará por votação? Vá ver qual o currículo académico dos senhores deputados...Quantos estivadores? Quantos professores de escola pública há mais de 6 anos? Quantos médicos há mais de 6 anos em serviços públicos apenas? Pois é...Logo ainda bem que o Miguel Portas foi meu aluno...Nunca da boca dele ouviria o que disse acerca do "conhecimento do orçamento ainda antes dos queridos terem decidido á luz de ideologia e não da realidade que é o povo, o tecido "impresarial" (temos 95% patrões e só 1% de empresários...Os empregados, os assalariados até têm mais qualificações do que os patrões. Até um aluno de 11º ano de Economia já lê os pré-orçamentos nas aulas pois TUDO o que o governo faz é levado para a sala de aula...Até os discursos dos políticos e artigos jornais servem de estratégia para ensinar português, economia, filosofia, etc etc. Desculpe estar a escrever-lhe para aqui mas não sei usar o twitter para intervir. Andei à procura de seu endereço electrónico para evitar escrever-lhe aqui. Esta mensagem nada tem a ver com o que escreveu aqui pois até nem o li mas com que ouvi na RTP informação. Pode depois de ler apagar.

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  2. Dr Moita Flores ,

    É pena que muita gente não leia os seus artigos , e conheça o seu trabalho , as suas opiniões.
    Às vezes podemos ser infelizes numa palavra , numa frase menos conseguida , que não traduzem verdadeiramente o nosso sentir , o nosso viver . Estamos sujeitos à crítica, mas eu acho que no seu caso , à luz dos pensamentos já expostos neste blog (nova ambição) , é por demais evidente a sua visão límpida da realidade , que não é própria de gente parada no tempo , mas muito para além do nosso tempo. A honestidade , independência , o inconformismo , o bom senso , fazem de si um bom candidato a presidente ... pena que não possa ser da minha câmara .

    Cumprimentos
    Luís Gonçalves

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  3. Um aditamento :

    Gostei da mensagem , em especial da afirmação - " qualquer reforma no ensino tem que obrigatóriamente inscrever expectativas de futuro produtivo. Seja em qual for a área de trabalho. Ou seja, valorizando o trabalho em vez de titulaturas." - porque se trata de facto do cerne da questão da educação em Portugal .

    Os sucessivos governos falharam no planeamento estratégico do sector educativo , numa óptica de longo prazo . Penso mesmo , que este sector , dada a sua relevância , deveria merecer uma atenção especial , na criação de acordos partidários abrangentes , de forma a que as suas políticas tivessem um percurso estável , não sujeito a alterações sistemáticas.

    Investir na educação é investir no futuro .
    A educação está relacionada com a natalidade .
    Tem que haver uma política de natalidade - onde não haja lugar ao "patrocínio estatal" dos abortos , mas sim ao planeamento familiar , ao apoio familiar ( subsídios , e outros apoios sociais ) , e que nos garanta o rejuvenescimento das gerações futuras .
    O contrário disto , que é aquilo a que assistimos na actualidade , chama-se egoísmo .

    Aliás , eu só vejo o meu país andar para diante no dia em que despertarmos para a sua construção, com nova ambição ,e quando todos entronizarmos os valores perdidos - da esperança e da coragem .

    É precisa humildade para rever processos , para reconhecer erros , para buscar "pontes de diálogo" , tendo presente o interesse do país , em detrimento dos interesses individuais. Cada dia que passa estamos todos condenados a entendermo-nos , é a
    oportunidade de mudar.

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  4. Boa noite ,

    Aguardo UMA NOVA AMBIÇÃO (Iv.)

    Abraço
    Luís Gonçalves

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