Páginas

domingo, 20 de maio de 2012

Tempestade no copo de licor

Conheço de experiência vivida o que são fabricação de histórias jornalísticas nas quais somos protagonistas à força. Prepara-se o guião, demonstra-se a verdade que se quer publicar, (o que não quer dizer que seja verdade, nem muito menos a Verdade) e ao fim do segundo período de escrita lá está metido o nome do protagonista. Ás vezes quase a camartelo, mas fica. E quando nos perguntamos a razão de ali aparecermos, fora daqueles factos e muito longe daquelas intenções, percebemos que as motivações subjectivas de quem escreveu nada têm a ver com o texto. O texto é um mero pretexto para agredir, para insultar, para estigmatizar ou pura e simplesmente para chantagear. É o verbo exacto. Chantagear! Outras vezes, não chega a tanto. É embirrar apenas porque não se gosta, porque se odeia, porque se embirra. 
Vem isto a propósito dos desesperados pedidos de demissão do ministro Miguel Relvas que, segundo se sabe, decidiu telefonar para a direcção de um jornal aborrecido com a pressão com que lhe era imposta uma resposta a determinadas perguntas (segundo percebi, teria de responder em 32 minutos) sobre a triste história dos Serviços Secretos. Que isto é censura, que assim o ministro mete o nariz onde não é chamado, que a liberdade de imprensa está em causa e mais isto e mais aquilo. Tudo sempre em volta da liberdade de imprensa, coisa que não implica responsabilidade, tão só a absolutização da ideia de liberdade. A coisa torna-se mais complicada se pedimos desculpa por termos telefonado. É, de imediato, o reconhecimento de uma culpa, quando deveria ser o reconhecimento de consideração. Percebe-se que Relvas, ou por arcaboiço político ou por razões de delicadeza, ainda não chegou ao fim da linha, ao limite em que já nem se pensa no telefone. Apenas se ignora. Não me espanta a solidariedade corporativa que brota das muitas opiniões publicadas este fim de semana. Espanta-me que homens que têm ou tiveram responsabilidades públicas (não necessáriamente políticas) que foram submetidos aos mesmos escrutínios das narrativas pré-formatadas e nelas encarcerados à força, venham pedir a demissão do ministro. Porquê? Porque os jornais dizem a verdade e os políticos mentem. É este a conclusão de senso comum, tão simplista quanto grosseira. Que ajuda ao culto da vulgaridade mas não abona ao fortalecimento de uma cultura cívica. Se é verdade que para alguns jornais, embora cada vez menos, o princípio do contraditório continua a ser uma fonte sagrada e inspiradora de um espaço de liberdade, a verdade é que, por vezes, trinta e dois minutos não é tempo suficiente para exercer um direito que a outra parte prepara há vários dias. Sejamos, ao menos, sensatos. Coisa que cada vez é um bem mais escasso para resolver conflitos que resultam da própria intensidade da vida e que bem precisamos para resolver problemas bem mais preocupantes para o futuro da democracia e do país.

1 comentário:

  1. Caro Dr Moita Flores

    Prezo bastante a sua opinião .
    Aqui vai a minha :

    Está na hora de todos se lembrarem que existe um país a sucumbir , que
    existem compatriotas a viver mal , no desemprego , com fome .

    Estas guerras palacianas ( caso Relvas; caso Secretas , etc ) são um desperdício de tempo , com as intervenções de políticos e jornalistas que não trazem a tranquilidade ao país . Confunde-se o relevante com o acessório .

    São os interesses que predominam , os ajustes de contas , e o povo - pobre povo - assiste
    num desânimo crescente face ao alheamento que o devotaram.

    Desde há muito que os governos se sucedem e a caça ás bruxas se instalou no país , num clima de intrigas que vendem papel.

    A imagem dos políticos está nas ruas da amargura , pelo que quem por bem queira servir o país nesta nobre actividade , precisa de ter coragem , motivação ,e amor à causa pública , e sobretudo paciência .

    Talvez um dia , se um jornalista se candidatar a um cargo político , nós possamos
    finalmente ter paz .

    Será que teremos ? Ou teremos mais um Robespierre morto na guilhotina ?

    Cumprimentos.

    ResponderEliminar