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domingo, 7 de novembro de 2010

As Luzes de Natal

Quando era puto, e comigo os outros putos da minha escola, esperávamos o Natl com uma brasa no coração.Chegava o Pai Natal ou o Menino Jesus e o conforto alegre da família que se reencontrava, nos doces da minha avó e nas luzinhas que tremelicavam no presépio e pelas ruas da vila. Cheirava ao fumo do azinho nas lareiras, o frio precipitava a noite, mas nós, os putos daquele tempo, já lá vai tanto tempo!, aqueciam-se no encantamento do brilho reluzente que empolgava as ruas e as praças. O Natal chegava muito antes. Exactamente quando as luzinhas começavam a brilhar mal caía o entardecer, à hora das pessoas saírem do trabalho. Anos mais tarde, revivi essas noites no brilho encantado dos meus filhos. Dos meus putos. Revia-me nesse mistério mágico que transforma estes tempos na convicção de que o munndo é bem mais bonito do que a ruindade que o come o resto dos outros meses. Lembro-me, como se fosse hoje, dos Natais difíceis. Onde o presépio era pequenio, tão pequenino como a ceia, porém com as barrigas confortadas de esperança. Poderia haver menos luzinhas, mas o brilho do olhar dos putos substituía a refulgência que as dificuldades tornavam cinzentas.
Quando entrei na Câmara de Santarém, há cinco anos, em véspera de Natal, decidi que ajudaria a que cintilassem os olhos todos iguais, pois os nosso putos são todos iguais na alegria, por esses dias que iluminavam a chegada dos presépios, das árvores de Natal, das prendas e, sobretudo, dos abraços e dos beijos, serão milhões de abraços e beijos com que por estes dias e estas noites repetimos: Feliz Natal! Em muitos casos, infelizmente, a única prenda para os nossos putos nessa noite da alegria redentora.
A crise económica e financeira tem destruído o que de melhor há em nós. Nunca se viu tanto fariseu reclamando todas as pupanças, todos os cortes, o fim de tudo aquilo que eles próprios não têm - sentido de fraternidade. Corte-se, esfole-se, insulte-se, entremos no luto final que a mesquinhez vence todos os dias. Sei que vivemos um ano ruim. Sei que neste Natal há muitos que sofrem. Sobretudo muitos putos a quem restam as luzinhas de Natal da sua vila ou cidade.
Sobretudo porque eles não não culpados da mesquinhez daqueles que nunca acenderam uma luzinha no coração, essa luzinha de esperança e combate com que daqui haveremos de renascer.
Por isso mesmo, que fique claro, em Santarém continuarão as iluminações de Natal, embora mais pobres, pois os nossos putos não têm culpa de que a cabeça de muitos homens, pretensamente cultos, viva na mais triste escuridão.

Francisco Moita Flores

in Correio da Manhã, 7.11.10

1 comentário:

  1. Admiro a sua sensibilidade!
    O meu sincero agradecimento pelas "luzinhas de Natal" na cidade de Santarém. Sem elas, nos tempos que correm, a tristeza que nos aflige seria ainda mais triste.

    Luis de Jesus, Santarém

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