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quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Estado de Graça do Governo


Estamos a viver um tempo de ruindade. Uma crise aguda como esta que o país atravessa é uma porta que revela o que de melhor e de pior existe dentro de cada um de nós e á nossa volta. O egoísmo manifesta-se, o cinismo, são cada vez menos tortuosos os caminhos para a crueldade, para a chegar a qualquer lado sem olhar a meios. Chegámos a um tempo em que se manifestam os rancores, as raivas, as invejas, as amarguras, crescentemente a violência endémica vai crescendo, cada vez mais exterior. E a impaciência. A indignação sem cuidar de saber, sabendo apenas por ouvir dizer, sem inteligência, cada vez mais boçal e alarve.
É um tempo ruim. Da manipulação da verdade. Montaigne assinalava que o inverso da verdade tem mil formas e, eu diria, que de mil formas se mascara a raiva surda que escorre contra quem ou aqueles que procuram modificar a situação de aflição colectiva onde nos encontramos.
O governo de Passos Coelho não teve tempo para se sentar. Uma das máscaras do inverso da verdade é-lhe atirada como uma pedra: ele terá dito que não se desculparia com o passado. Mas não foi isso que ele disse. - Não me irei desculpar com o passado!...se falhar os seus objectivos.
Porém, nem tempo se lhe dá para colocar objectivos e já se acusa por ter falado de ter recebido um desvio colossal nas contas públicas.
Não sei se recebeu ou não. Sei, pois ouvi, que não se iria desculpar com o passado, caso falhasse. O problema maior é que ainda não teve tempo de falhar. E as beatas oficiosas, prontas para degolar quem surge com uma única ideia, mesmo que seja uma pequena ideia, já lhe atiram as primeiras pedras.
É impossível um governo, seja ele qual for, cortar com o passado. O passado é a memória. O instrumento mais poderoso para construir sonhos e deles fazer obras.Para o bem e para o mal, amputar ou rejeitar o passado é recusar a sustenção culta e sábia de um poder ou de qualquer acção. Mobilizar o passado é a alavanca essencial para projectar e construir.Espanta-me ouvir homens sérios acusar o actual primeiro ministro de ter cometido o pecado de falar no passado. É um sinal que estamos a produzir demência em vez de racionalidade organizada.
Vivemos mesmo um tempo propício aos homens ruins e este governo nem terá tempo de respirar. Os fariseus já começaram a atirar as primeiras pedras com uma terrível drama pelo meio: é que, perdidos de soberba, nenhum se reconhece como pecador. Como será daqui a seis meses? Não sei mesmo. Mas assim, não iremos muito longe. 

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