Escrevo seis horas depois de me ter despedido de ti. Estavas rodeado por excelentes médicos que fizeram tudo para te salvar e havia desalento nos seus rostos. Teimaste em partir depois de tantos esforços clínicos e mesmo quando te segurei a mão, procurando puxar-te para a Vida, suplicando o teu nome para que regressasses, a Morte omnipotente e silenciosa, levou-te para o lugar do céu onde habitam os homens bons. Mal sabia, no dia em que te convidei para seres vereador na minha equipa, que este mandato seria tão bruscamente interrompido por uma única hora! Uma hora foi suficiente para que se instalasse a dor do teu peito e para que findasse defintivamente. Uma hora!
Quero sublinhar as tuas qualidades de Vereador, a quem Santarém tanto fica a dever, mas as lágrimas que não chorei desde que partiste varrem-me os sentidos e as memórias. Das noites de tensão e sofrimento para que o convento de S.Francisco fosse pedra renascida na nossa cidade. Dos dias de trabalho intenso preparando o Dia de Portugal e de Camões, sem dormirmos, sem comermos, vivos e inteiros respirando a força da Cidade. Das tuas ideias para inventar dinheiro e incrementar iniciativas que fazia nascer do teu amor por Santarém. Dos concertos de órgão, da Rota das Catedrais, dos Pequenos Cantores de S.Francisco, das homenagens a Santareno, do teu investimento tão apaixonado nas hortas sociais, no apoio aos que mais sofrem, orgulhoso da terra que ajudavas a governar com tanto talento como paixão, da amargura perante o contigentes de pobres, cada vez mais pobres, que esta maldita crise tem trazido até nós. Foram tantos dias e tantas noites e, agora, que tudo acabou, sinto que foram tão poucos dias e tão poucas noites que sinto uma pobreza imensa dentro de mim.
Vai ser duro conviver sem o líder apaixonado que dirigia equipas entusiasmadas. Ainda mais duro porque és um dos raros homens que trabalhava com a cabeça e com o coração. Inteligente. Culto. Solidário! Que eras grande para saberes emocionar-te com as pequenas e grandes coisas que realizávamos, que tu realizavas e comigo partilhavas num entusiasmo deslumbrante, indiferente á mediania do pensar que procurava remeter para a mediocridade a força da invenção deste amor sem limites a um povo inteiro.
Perdi outro amigo. Um grande amigo cuja partida me despedaça o coração. Nem Santarém sabe como perdeu um homem de generosidade sem limite,trabalhador sem horas, defensor militante das causas maiores de um concelho tão nobre.
Bastou uma hora! Numa hora que teve um princípio e terminou no infinito. No infinito da tua Matemática que teimavas em recusar que não se confundia com o infinito da minha Metafísica. Esta discussão iremos continuá-la depois, quando nos encontrarmos no Infinito, para voltar a trocar o abraço fraterno do novo e decisivo reencontro. Por agora, deixo a tua mão. Ficas guardado no centro da memória fraterna, entre outros amigos que já partiram, á espera do Tempo semeado de saudade e de tristeza, mas com Santarém eterna na alma e nos sentidos.
Adeus, Vitor Gaspar! Adeus meu breve e intenso companheiro de jornada. S. Francisco, o nosso S.Francisco bem sabia, 'que é morrendo que se vive para a Vida Eterna' e nela, um dia, havemos de nos encontrar!